História

logo 150 anos de imigração itraliana no Brasil

Os primeiros italianos em território brasileiro de que se tem notícia foram de genoveses em 1820 vivendo na cidade portuária de Salvador. Durante a primeira metade do século XIX, tem-se o registro da chegada de outros pequenos grupos pontuais se dirigindo a zonas isoladas. Foi somente na segunda metade dos século XIX que o fenômeno da imigração em massa se concretizou. O marco oficial de início deste processo foi a chegada do navio La Sofia ao porto de Vitória, no estado do Espírito Santo, em 21 de Fevereiro de 1874, trazendo 388 imigrantes vênetos e trentinos.

 

A vinda dos imigrantes italianos foi fruto da política de estado brasileiro. Visava-se a substituição da mão de obra escravizada africana nas fazendas agrícolas, sob a pressão internacional para a abolição da escravidão, pela mão de obra europeia, que também promoveria o desejado embranquecimento da população brasileira. Outros grupos europeus também começavam a chegar ao Brasil como ibéricos, germânicos e eslavos, porém a predileção pelos italianos foi particularmente incentivada pela então imperatriz do Brasil, Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias, esposa do mperador Dom Pedro II, nascida em Nápoles, e também chamada a “mãe dos brasileiros”. Da parte italiana, o conturbado contexto econômico instaurado após o processo de unificação do país, e a propaganda da possibilidade de recebimento de terras e enriquecimento no Brasil, foram os fatores ncentivadores da saída de tantos do país.

 

A imigração italiana no Brasil se dirigiu principalmente aos estados do Sul e Sudeste do país. Assim como ao estado do Espírito Santo, aos estados do Sul, predominou a imigração de vênetos, trentinos e lombardos, se instalando nas colônias nas regiões de serra, já que as planícies já haviam sido ocupadas por alemães que chegaram pouco tempo antes. Ali, de fato receberam terras do estado, desenvolveram com dificuldade o local para a produção vinícola, e até hoje se preservam a cultura, língua e gastronomia regionais do norte da Itália. Já na região sudeste, o estado de São Paulo recebeu o maior contingente de imigrantes de variadas regiões italianas, chegando pelo porto de Santos e subindo de trem a serra do mar que isola o litoral brasileiro do planalto central.

 

Os que chegavam em família eram prioritariamente direcionados ao interior, para trabalhar nas fazendas de café, substituindo os negros em processo de libertação. Ali adquiriam dívidas com o proprietário da fazenda que ofertava alimento e moradia, e assim, os ganhos do trabalho não podiam ser poupados, resultando em um regime análogo ao de servidão, sem perspectiva de crescimento. Já muito dos imigrantes avulsos permaneciam na cidade de São Paulo, onde desenvolveram atividades comerciais.

 

Destacavam-se em número na cidade os imigrantes meridionais napolitanos e calabreses. Estes se instalaram principalmente nos bairros do Brás, Bixiga e Barra Funda, fenômeno retratado no livro de mesmo nome do escritor Alcântara Machado de 1927. Também o bairro da Mooca posteriormente recebeu muitas famílias italianas. Nos locais em que se instalaram, os grupos regionais marcadamente desenvolveram a devoção de seus padroeiros.

 

No bairro do Bixiga, os calabreses de Cosenza (principalmente Corigliano-Rossano) com a Madonna Achiropita, e os puglieses de Foggia (Cerignola) com a Madonna di Ripalta. No bairro do Brás os puglieses de Bari (principalmente Polignano a Mare) com San Vito e o campanos de Caserta (Aversa) com a Madonna di Casaluce.

 

São Vito Futebol Clube

O ministério das relações exteriores da Itália tem o registro de um primeiro pequeno núcleo de 8 pessoas de Polignano a Mare que emigrou da cidade em 1888. Este dado coincide com os relatos orais de famílias radicadas em São Paulo e outras retornadas à Italia. Estes primeiros imigrantes se instalaram na região central de São Paulo, o centro histórico, próximo à igreja do Carmo, à Várzea do Rio Tamanduateí. Somente cerca de 5 a 10 anos depois a ocupação da outra margem do rio, então zona rural, e hoje chamada zona cerealista, se iniciou pelo número crescente de famílias de Polignano a Mare que chagavam à cidade.

 

Entre 1887 e 1912 tem-se o registro de 1796 pessoas emigradas de Polignano a Mare, à época, cerca de 20% da população local. A imensa maioria se direcionava ao Brasil. Outros poucos se dirigiram à Argentina, Venezuela e Estados Unidos. O movimento era em grupo dos compatriotas das cidades vizinhas: os de Molfetta emigravam para Nova Jersey, os de Mola do Bari para Nova York, os de Rutigliano para Chicago, e assim por diante.

foto aeria centro são vito

 

Na São Paulo do início do século XX, os polignaneses se dedicaram ao comércio de cereais principalmente nos negócios localizados na zona delimitada pelas Ruas Santa Rosa, Mendes Caldeira, Alfândega e do Gasômetro. Mas também atuaram em atividades menores como a de jornaleiros, garrafeiros, operários em fábricas (como as do Conde Matarazzo), e comerciantes de frutas, verduras e peixes no Mercado Municipal de São Paulo. Muitos cerealistas prosperaram ao promover o abastecimento e distribuição alimentícia da maior cidade do Brasil vendendo em grande escala gêneros como arroz, feijão, batata, alho e outros a diversas áreas do país. Em 1923 fundaram a Bolsa de Cereais de São Paulo, sob a presidência do polignanês Vito Nicola Facciolla.

 

A tradicional Festa de São Vito no bairro do Brás teve sua primeira edição oficial em 15 de junho de 1918 quando os italianos de Polignano a Mare organizaram um evento religioso e social em homenagem ao seu padroeiro numa vila de casas na esquina das uas Santa Rosa e Benjamin de Oliveira. No ano seguinte com maior adesão fizeram novamente a festa e fundaram a Associação neficente São Vito Mártir, em 21 de outubro de 1919, com intuito de construir a Capela San Vito, o que aconteceu em 1920 em terreno adquirido à então Rua Álvares de Azevedo, 51 (atual Rua Polignano a Mare) com ajuda da Unione Catolica Italiana. A partir de 1920 a Festa de São Vito se torna o maior evento religioso e social da comunidade italiana de São Paulo.

 

A boa comida, o vinho e música italiana executada por pequenos grupos, animavam os presentes. O show pirotécnico inédito em festividades e o pau-de-sebo atraiam milhares de pessoas. A procissão de São Vito era acompanhada por uma multidão de devotos. Leilões para definir quem carregaria o santo eram realizados em dialeto polignanês, visando que os “stragneri”, incluindo demais italianos do bairro, não compreendessem e participassem do processo. A Capela San Vito era chamada de “Capela dos Milagres”. Nos anos 40 para melhor conforto da comunidade é construída pela Associação uma igreja maior, em substituição à Capela, sendo criada então a Paróquia São Vito.

 

À época constatou-se o fluxo de chegada de polignaneses até a década de 1960, por meio das conhecidas “lettere di chiamata” ou “cartas de chamada”, por meio das quais os que aqui já estavam viabilizavam a vinda dos compatriotas que ainda estavam na Itália. Assim, contribuiu-se para a contínua renovação da tradição local com os “nuovi arrivati”, até um período em que também crescia a possibilidade de turismo de retorno de polignaneses e seus descendentes residentes no Brasil. Também observou-se o retorno definitivo à Itália de muitas famílias após terem “feito a América”, o que também reforçou os laços em Polignano com o Brasil, onde muitos até hoje compreendem o português, mantêm contato com parentes daqui e eventualmente vêm em visita.

 

Domenico Modugno

Este processo diferenciou a comunidade pugliesa do Brás, de outras comunidades italianas no Brasil, que receberam fluxos pontuais de imigrantes, sem novos recém-chegados nas décadas seguintes, prejudicando a preservação de tradições, e favorecendo a assimilação gradual à cultura e contexto brasileiros. Destaca-se nesse cenário de uma comunidade viva, ativa e em contato estreito com a terra e origem, a visita de Domenico Modugno, natural de Polignano a Mare, a amigos e parentes que viviam no bairro do Brás em 1958, logo após vencer o festival de Sanremo com Nel Blu Dipingo di Blu (Volare). Também ressalta-se o fato que o belo andor de São Vito utilizado na procissão em Polignano a Mare é obra patrocinada por brasileiros “oriundi”.

 

O bairro nessa época se mantinha vivo, com as famílias vivendo nos andares superiores dos pequenos prédios que abrigavam seus negócios no térreo. Os bareses não mais se casavam somente entre si, o que ocorria antes por preferência, facilidade ou mera probabilidade, visto o número elevado dos mesmos convivendo na mesma região. Agora já se casavam com outros imigrantes (italianos ou não) ou seus descendentes. O Brás se tornara um caldeirão cultural e uma grande família. O bairro contava com cantinas, pizzarias e cinemas em atividade. A maioria das crianças frequentava a Escola Estadual Romão Puiggari, até hoje na Avenida Rangel Pestana. As famílias realizavam piqueniques no parque Dom Pedro, especialmente na Pascoela, hábito italiano característico. A comunidade também contava com times de futebol (o principal São Vito F.C.) e um clube social chamado Pró-Polignano com sede no terceiro andar da igreja. Era um local de reunião dos mais velhos para encontros e diversão, incluindo jogos de carta com baralho napolitano, entre outros.

Escola Estadual Romão Puiggari

 

Zona Cerealista de São Paulo

No quarto final do século XX, muitos polignaneses e descendentes começam a deixar o bairro do Brás que passou por um processo de decadência urbana e aumento da violência. Tantos já bem sucedidos se direcionam a viver em áreas residenciais mais prósperas da cidade. Com o avanço dos supermercados e a instabilidade inflacionária do país, também são forçados a fechar seus negócios na zona cerealista, se desfazendo de seus imóveis ou colocando-os para locação. A zona cerealista também passa a se dedicar à importação de produtos refinados como bacalhau, azeites, queijos e vinhos, já com comerciantes de outras origens atuando. Poucos polignaneses resistem e seguem trabalhando e vivendo no bairro, porém os laços afetivos e culturais com a região se mantêm fortes.

 

Em 1980, a Festa sai da rua e começa a ser realizada no local atual à Rua Polignano a Mare 255. É construído o pavilhão Modesto Mastrorosa e inaugurada a Creche São Vito em 1996, que atende por volta de 100 crianças na 1ª infância gratuitamente, em parceria com a prefeitura. A Creche até hoje compõe a obra social central à qual a arrecadação da festa patronal é destinada. Além do local da Festa e da Creche, o Pavilhão abriga também a Sede da Associação Beneficente São Vito Mártir, o memorial dos Fundadores e o acervo com a primeira imagem de São Vito que veio para o Brasil trazida por Modesto de Luca em 1895.

Creche São Vito

 

pratos da culinária típica da província de Bari

A Festa de São Vito realizada desde 1918, mantém as mesmas receitas de seus pratos da culinária típica da província de Bari, nomeados em dialeto local, de geração a geração graças à dedicação dessa instituição chamada “As Mammas de São Vito”, imortalizadas no documentário de Gianni Torres “Le mamme di San Vito” de 2010. O cardápio barês inclui vinhos primitivo e negroamaro, taralli, antepasto de beringela, ficazza (focaccia barese), ficazzelle (panzerotti), ricchitelle (orecchiette) e spaghetti, ghimirelle (involtini di fegato alla brace), salsiccia, e os doces: cartellate, pezza dolce (torta doce de ricota), dormosa, castagnelle, piccigatelle (taralli dolce). Também inclui outros doces italianos como a pastiera di grano, a sfogliatella, a zeppola e o cannolo siciliano. Em almoços durante o ano também são executados outros pratos regionais como fave e foglie, calzone do cipolla e sponsali, riso-patate-cozze, spaghetti alle vongole, pighpit (polpette fritte di pane), pimentões recheados e polpettone.

 

O repertório de música da festa é italiano e napolitano, variando das clássicas às atuais. A comunidade polignanesa de São Paulo contou com expoentes da música como os maestros e compositores Gino Galluzzi, intérprete do “Inno a San Vito” até hoje entoado ao início de cada dia de festa, Salvador Callia, professor de música do Colégio Dante Alighieri de 1930-1969, e Luci Buonavilla, cantora tradicional das cantinas e festas italianas da cidade de São Paulo.

Luci Buonavilla

 

Festa italiana mais tradiciona de sp

A Festa de São Vito é comprovadamente a mais tradicional festa italiana de São Paulo realizada em recinto totalmente coberto. Sempre nos finais de semana do mês de junho e os primeiros finais de semana do mês de julho e está no calendário oficial de eventos da cidade de São Paulo. Continua abrigando a comunidade baresa, porém se tornou também local de identificação e carinho de muitos italianos de outras regiões, seus descendentes e de todos os que de alguma forma mantém um vínculo com o bairro do Brás.

 

A comunidade também organiza no mês de Setembro a celebração aos Santos Médicos Cosme e Damião. Esta tradição foi trazida de Polignano a Mare, assim como as devoções a Santo Antonio, Santa Rita e Nossa Senhora do Carmo, que podem ser constatadas pelas suas imagens decorando o salão central da igreja São Vito.

Comemoracao a Ccosme e Damião

 

Imagem de São Vito à Sociedade Esportiva Palmeiras

Durante a pandemia de COVID-19 a Festa se manteve viva por meio de lives musicais e eventos com distanciamento social. O período também foi marcado pela doação pela Associação de uma imagem de São Vito à Sociedade Esportiva Palmeiras, clube da colônia italiana de São Paulo, concretizando nosso mártir como protetor do time.

 

Atualmente estimam-se cerca de 100 mil descendentes de Polignano a Mare em São Paulo. Em 2024 celebramos os 150 anos da imigração Italiana no Brasil e por uma feliz coincidência, a igreja de São Vito está finalizando uma reforma de grande porte. Toda a reestruturação está sendo financiada pelos dizimistas da Paróquia Nossa Senhora do Brasil e encabeçada pelo Padre Michelino Roberto. Os andares do edifício da Igreja voltarão à plena atividade com aulas de catequese, ballet, artes marciais, música e serviço social, levando de volta as crianças da 3ª infância do bairro e suas famílias para dentro da igreja e longe das ruas. O segundo andar da igreja abrigará o acervo histórico da comunidade.

igreja de São Vito